sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Um espírito livre

Não vim reinar nem vim servir.
Só quero é luz, sonhar em vida.
Driblar a morte, curar ferida.
E ao novo norte, nova partida
Seguir avante o que há de vir.

Destinos do Esmeralda

Episódio I: Brilho nos olhos.

Era 12 de Janeiro de 2011. Eu e meu primo havíamos combinado de ir a um café da cidade comemorar a companhia um do outro – e é claro, para ver uma antiga amiga nossa que lá trabalha. Antes de irmos eu passei na casa dele. Ouvimos música, conversamos um pouco sobre alguns artistas favoritos e depois fomos caminhando até o ponto. No ônibus conversamos sobre diversos assuntos, dentre os quais o favorito era religião – viagem astral, magia, espiritismo. E assim foi o caminho todo, até chegarmos em nosso destino.
Por volta das 20:15 estávamos em nosso destino, mas então decidimos passar antes no shopping Esmeralda. No meio do caminho um rapaz mal vestido e mal cheiroso, de estatura baixa e pele morena, e que calçava chinelos de dedo, nos parou e começou a contar sua história. Seu nome era Alex e ele era havia acabado de sair da prisão de Dracena, no dia dois de Janeiro de 2011. Alex nos mostrou um documento oficial que comprovasse a veracidade de sua história. Disse que precisava de ajuda com algumas moedas para viajar para Bauru. O motivo de sua viagem é que lá ele teria que pagar mais um ano e meio de serviços comunitários; o rapaz já estava atrasado, posto que deveria ter se apresentado às 16h do mesmo dia.
Alex nos disse que tentou ir até a delegacia de polícia de Marília para comunicar seu possível atraso por falta de dinheiro, mas sem sucesso. Os oficiais mandaram ele pedir ajuda à Assistência Social. Sem sucesso novamente. A responsável afirmou que não tinha verba naquele dia para ajudá-lo. “A sociedade paga imposto à prefeitura para que eles ajudem gente como eu”. Já não tinha porque desconfiar do rapaz. Ele nos disse estar tremendo de nervoso, pois nunca havia pedido dinheiro antes.
Alex nos disse que agente poderia gastar nosso dinheiro com qualquer coisa, menos com drogas. “Isso acaba com a vida de qualquer um”. Meu primo Lucas abriu sua carteira e deu ao rapaz uma nota de cinco reais: “Agente ir gastar mesmo, toma ai mano”. Os olhos dele brilharam de alegria, que se tornou uma confusão entre agradecimentos e expressões de surpresa. Eu não lhe dei nada, pois o dinheiro já estava contado.
            Lucas perguntou ao rapaz se já conseguiria pegar o ônibus que vai de Marília à Bauru. Alex disse que a passagem custava onze reais, juntou todo o dinheiro e começou a contar. Disse com otimismo que até às 22:30 h conseguiria o dinheiro para a passagem. De repente meu primo abriu a carteira novamente e lhe deu mais dez reais: “Toma, pega lá o seu busão!”. O rapaz arregalou os olhos e quase chorou de alegria. Sua voz havia mudado, e ele nos disse nunca ter encontrado alguém como agente antes, e que nós fomos os segundo a para pra lhe ouvir. Disse-lhe que agora poderia comer algo antes de ir embora, e ele agradeceu a Deus.
            Aquela foi a primeira vez que eu vi verdade e honestidade em um homem que eu não conheço, e que está por aí, pedindo dinheiro. Na maioria das vezes é para beber. Alex foi honesto, e penso que para ele isso tenha feito bem.
            Alex virou para mim e perguntou: “Vocês são amigos há muito tempo?” Disse-lhe que éramos primos. “Se Deus fez um primo melhor que o seu, guardou para ele! Meu, cuida bem desse cara, amigo melhor você não pode ter!” Senti orgulho de meu primo. Em vinte anos de estrada, estava ali uma atitude memorável de um homem que eu sempre soube que tinha bondade no coração.
            Ao nos despedirmos, Alex disse que só não daria um abraço em meu primo por causa de seus trajes, seu cheiro, sua condição. “Que isso mano, vem cá”, disse meu primo, abrindo os braços para o rapaz, em um abraço triunfal. O rapaz saiu gritando e cantando a Deus por ter nos encontrado em seu caminho.
            Chegamos ao shopping Esmeralda, entramos, damos algumas voltas. Percebemos que tudo estava igual à semana passada: os mesmos filmes em cartaz, a mesma quantidade de gente andando e olhando para as vitrines, e nada de novo, nada de interessante. Depois de um tempo, percebemos que fomo lá para nada, pois o que nosso Destino havia nos reservado, já tínhamos cumprido momentos antes, e ainda estávamos pensando nisso.
Ao voltarmos para o café, paramos e refletimos. “Se tivéssemos parado aqui antes, nada daquilo teria acontecido. Agente queria ir ao shopping para nada! O shopping foi um pretexto que o Destino nos colocou naquele pequeno instante para que encontrássemos aquele rapaz no caminho. Esse foi o nosso Destino. E o nosso premio foi ver os olhos daquele rapaz brilharem de alegria”.
            E então, naquela simples noite de terça-feira, aprendemos a dar ouvidos àqueles que não têm voz. Aprendemos, na prática, que uma ação vale mais que mil palavras.

Victor Bispo Zanata
14 de Janeiro de 2011, 1:22h.